Políticas públicas de saúde

Políticas públicas de saúde

quarta-feira, 11 de maio de 2011

 Início da vida: aspectos éticos e bioéticos

Das diferentes teorias existentes, apresentamos, resumidamente, algumas definições acerca do início da vida, citadas por Viera (2007). Assim, segundo tais teorias, a vida teria início a partir

§ da fecundação: por já possuir toda a informação genética para a formação do sujeito adulto.

§ da nidação: momento em que o ovo fecundado se implanta no útero, por volta do 14.º dia após a concepção.

§ do surgimento da atividade cerebral: o que ocorre por volta da oitava semana.

§ do surgimento da identificação sexual: momento em que se individualiza o feto, definindo o sexo biológico, por volta da 12ª semana de gestação.

§ do surgimento da crista neural: ou seja, do sistema nervoso próprio, o que sucede por volta da 22ª semana de gestação.

§ do nascimento (com vida): ocasião em que passa a ser um ser autônomo.

As teorias citadas têm sua relevância para o profissional de enfermagem, pois com esse conhecimento, ele pode entender e refletir melhor com relação a sua participação em pesquisas e procedimentos que envolvam as etapas embrionárias e nelas se fundamentam.

Atualmente, existe uma discussão a respeito dos direitos dos embriões. A grande dificuldade em definir esses direitos é estabelecer o início da vida, pois não há consenso quanto a essa definição (SCHIMIDT; OGUISSO, 2007).

Ciente disso, você se pergunta: Qual o momento em que o embrião deve ser considerado uma pessoa?

Até hoje, nem a ciência nem a teologia têm uma resposta exata. De acordo com Barchifontaine (2004), a pessoa existe como pessoa somente quando é reconhecida por outras pessoas. Por isso que é importante a definição exata de quando se inicia a vida, ou quando um embrião é uma vida, para que se definam quais são os direitos que a pessoa possui.

Veja, então, a importância desse estudo.

A bioética, como um espaço de reflexão, não tem respostas prontas, pois ela depende das circunstâncias, do momento, do lugar e dos indivíduos envolvidos, que tentam integrar uma justa medida para cada caso concreto, em que o resultado é a união das pessoas como corresponsáveis pelo bem uma das outras.

Agora, prossiga a leitura e pense sobre o papel da enfermagem na reprodução assistida: um enfoque ético.

Quantas dúvidas antigas em uma ação tão nova! Será, mesmo?

A reprodução humana assistida requer uma capacitação técnica mais aprimorada dos profissionais de enfermagem, pois envolve novas tecnologias e materiais específicos. O profissional de enfermagem precisa estar atento para desenvolver com responsabilidade o seu papel na equipe de saúde em que trabalha com reprodução assistida. Desde o acolhimento do doador de gametas até a inseminação propriamente dita, estão relacionadas inúmeras questões que ainda não temos clareza de como resolvê-las do ponto de vista ético, pois, envolvem casais que sonham com a maternidade/paternidade e os embriões, que são vidas em potencial.

No decorrer desta Unidade de Estudo, cabe a você, profissional de enfermagem, refletir, utilizando os princípios da ética estudados anteriormente para embasar as suas ações e decisões em casos concretos vivenciados, para não priorizar somente a evolução tecnológica, em prol da ciência, e esquecer o lado humanitário.

Pense sempre nisso!

Mesmo quem não trabalha com a realidade da reprodução assistida precisa saber sobre o seu funcionamento para emitir seu parecer.

Na reprodução humana assistida, dependendo da técnica utilizada, realiza-se a fecundação, em que são fertilizados vários óvulos in vitro com o objetivo de selecionar o embrião mais viável, pois alguns, ou todos, podem não sobreviver e pode haver necessidade de várias tentativas de inseminação artificial até que se obtenha sucesso. Clique aqui para saber mais.

Diante disso, emergem vários questionamentos:

§ O que fazer com os pré-embriões que não são utilizados na reprodução humana assistida?

§ Devemos ou não descartá-los?

§ Por que não utilizar as células-tronco desses pré-embriões para transplantes e pesquisas entre outras práticas?

§ Se os laboratórios começarem a produzir pré-embriões humanos, sem a finalidade reprodutiva, apenas, para produzir células-tronco?

§ Devemos proibir a reprodução assistida, devido à incerteza do que fazer com os embriões que sobraram?

São perguntas e mais perguntas infindáveis que requerem uma reflexão, não só dos profissionais de enfermagem mas de toda a sociedade, e para as quais não temos as respostas de imediato.

Os laboratórios e clínicas especializadas em reprodução assistida congelam os embriões que não foram utilizados, acredita-se que podem permanecer nesse estado por até 200 anos sem sofrer alterações.

Vale aqui um destaque especial: o fato da possibilidade de os pais autorizarem a doação dos embriões para outros casais; nesses casos, geram-se irmãos biológicos.

Seria correto conservá-los indefinidamente? E a que custo? Para tentar amenizar essas dúvidas, a legislação brasileira permite a pesquisa em células-tronco de embriões obtidos por fertilização in vitro, congelados há mais de três anos e que seriam descartados. Mas, para que o estudo seja feito, os pais devem autorizar a pesquisa expressamente.

Veja o que lei da biossegurança n. 11.105, de 24 de março de 2005, estabelece:

Art. 5.º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1.º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2.º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3.º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado noart. 15 da Lei nº 9.434, De 4 de fevereiro de 1997.

Podemos lembrar que:

Em certa ocasião, um laboratório nos EUA contatou a família para resolver o destino de um embrião que sobrara após sete anos da sua primeira inseminação. A mulher decidiu implantar o embrião e teve outro filho, gêmeo do primeiro, mas com sete anos de diferença de idade. Por isso, devemos discutir questões cuja diversidade de situações podem gerar complicações jurídicas e éticas.

Vale lembrar que, em se tratando de inseminação artificial, o marco histórico que determina a gemelaridade dos embriões é a data de sua fertilização. Desta forma, não importa o espaço de tempo entre uma inseminação/gestação e outra.

Atualmente, essas discussões intensificam-se e merecem um maior cuidado ético. Pense nos direitos dos embriões congelados e de seus pais biológicos. E, no caso de divórcio do casal, a mulher tem direito de realizar a inseminação do embrião sem a concordância do pai? Ou o pai tem o direito de proibir a inseminação, não dando a possibilidade de vida para esse embrião? Muitas clínicas e laboratórios, para tentar resolver essas questões, estabelecem regulamentos próprios, nos quais solicitam aos pais assinatura de um acordo sobre o derradeiro destino dos embriões, em caso de separação e divórcio, de falecimento ou doença grave, conforme nos mostra Schimidt e Oguisso (2007).

E, então, pense muito sobre essa história: "Órfã de ninguém". Veja uma das consequências das novas técnicas de reprodução humana assistida: o conceito clássico de paternidade e filiação pode ser alterado.

Para esclarecer:

Podemos citar um caso que ocorreu na família Fasano, da raça branca, e a família Rogers, da raça negra, numa clínica de Nova Iorque. Foram implantados, por engano, na senhora Fasano, embriões com material de sua família e também da família Rogers e nasceram dois meninos: um da raça branca e outro da raça negra. Os Rogers acionaram a clínica judicialmente e conseguiram a paternidade biológica do menino da raça negra, e a senhora Fasano, que havia dado à luz a gêmeos, ficou só com uma criança.

(SCHIMIT e OGUISSO, 2007)

Casos como esses ocorrem desde que foi resolvido o problema da infertilidade de muitos casais, mas é importante sabermos que, mesmo com toda a nova tecnologia, estamos criando vidas humanas que merecem todo o respeito que a sociedade e a lei possam oferecer.

É certo que poderíamos ficar dias ou até meses citando casos e refletindo a respeito deles sem que se esgotassem todos os problemas e questões éticas.

Caro aluno, a reprodução assistida não é uma tarefa fácil, portanto, há uma necessidade de que nossa atuação seja pautada em conhecimento técnico-científico, mas embasado em princípios éticos principalmente.

Diante de tal complexidade, nós, enfermeiros, precisamos estar permanentemente em atualização e, por isso, vamos avançar em nosso estudo.

O aborto e a equipe de enfermagem: reflexões éticas

Falamos até agora das etapas embrionárias, tentando analisar os vários posicionamentos que existem quanto ao início da vida. Mas, e quando já sabemos que houve a concepção, portanto há vida intrauterina, e, por algum motivo, a mãe não quer continuar com a gravidez, o que fazer? Esse assunto é extremamente polêmico, pois existem as pessoas que o defendem como um direito da mãe e há os que condenam o aborto como crime. Clique aqui para saber mais.

Assim, o profissional de enfermagem, como o de qualquer outra área, não está isento de valores pessoais, morais e culturais ao se filiar a essa ou àquela corrente.

Lembre-se sempre disso.

Quando discutimos o assunto no âmbito da profissão, temos que seguir os preceitos e aspectos legais. Não podemos agir somente baseados nos nossos princípios pessoais, mas temos que manter uma uniformidade nas ações.

Sabemos que, quanto ao fundamento ético, as posições com relação ao aborto são conflitantes.

Ainda segundo Dallari, o aborto provocado é a interrupção da gravidez, e, tradicionalmente, a deontologia dos profissionais de saúde se opõe a ele. Essa posição é inspirada por Hipócrates, que jurava não dar dispositivo abortivo a nem uma mulher.

Para alguns, é o incondicional direito à vida, para outros, envolve o direito de a mulher decidir sobre o destino do feto e sobre o seu próprio corpo. Há, também, os que acreditam que a malformação grave deve ser eliminada a todo custo porque a sociedade tem o direito de ser constituída por indivíduos capazes.

Na verdade, a mulher e a criança estão no centro dessa discussão. De um lado estão os que defendem o direito de a mulher realizar o abortamento do filho indesejado em um hospital, com cuidados, para não ter risco de morte ou de complicações em decorrência desse ato. De outro, há quem defenda apenas o abortamento legal e, por vezes, por anomalia fetal grave, quando não é compatível com a vida extrauterina.

Atualmente, há uma discussão acerca da autorização legal quanto à interrupção da gravidez, em casos de fetos anencéfalos, tramitando junto ao Supremo Tribunal Federal, que ainda não foi julgada. Isso significa que não há, ainda, aparato legal para os profissionais de enfermagem acerca desse assunto.

Pela legislação brasileira, o direito à vida deve ser protegido desde a concepção. Assim, provocar aborto é crime previsto nos artigos 124 a 128 do Código Penal e, sendo assim, a equipe de enfermagem pode ser criminalmente envolvida ao prestar assistência à gestante em processo de abortamento.

A equipe de enfermagem que participa desse ato pode ser processada criminalmente quando, por exemplo, administram medicamentos abortivos, preparam a paciente, o ambiente e o material e prestam assistência durante o procedimento abortivo. Nesses casos, o profissional estará violando o Código Penal Brasileiro e o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, que trata especificamente sobre este assunto:

Art. 28 Provocar aborto, ou cooperar em prática destinada a interromper a gestação. Parágrafo único Nos casos previstos em lei, o profissional deverá decidir, de acordo com a sua consciência, sobre a sua participação ou não no ato abortivo.”

Como você sabe, a prática de saúde baseada no modelo biológico não tem sido suficiente para atender às necessidades das mulheres e, nesse sentido, é importante compreendê-las integralmente em suas especificidades. A finalidade é respeitar a sua autonomia, a fim de proporcionar assistência de qualidade a essas mulheres, conscientizando-as e ajudando-as numa situação complexa e sem retorno.

Sendo assim, o profissional de enfermagem deve refletir o seu fazer, envolvendo-se genuinamente, de modo que não só as necessidades físicas sejam atendidas, mas que a mulher seja contemplada em sua totalidade. Isso implica em compreender o contexto existencial das mulheres, desvinculando o aborto de julgamento de valores e do seu caráter ilegal. É preciso lembrar que, independentemente de suas circunstâncias, nenhuma situação é isolada por si só, como fala Mariutti, Almeida e Panobianco (2007).

Neste entendimento, é fundamental que, além da reflexão do profissional de enfermagem na busca da transformação dos modelos de assistência hoje existentes, ocorra uma modificação das próprias mulheres na busca de uma maior autonomia e conhecimento de seu corpo, para o desenvolvimento de uma consciência para a prevenção quando o desejo é não ter filhos.

Convém, então, ressaltar os princípios da ética para analisar o aborto e se chegará à conclusão de que é indispensável que sejam respeitadas as diversas perspectivas que representam opiniões, muitas vezes, inconciliáveis com o fundamento ético.

Visto isso, a sociedade como um todo, e em especial quem trabalha diretamente com a saúde pública, deve fomentar a discussão desse tema cuja morbimortalidade deve ser considerada já que, mesmo sendo ilegal, continua com uma ocorrência muito grande.

É importante que essas discussões sejam embasadas com dados científicos, buscando alternativas de ações que evitem o aborto, como ações de planejamento familiar, prevenção da violência contra a mulher, melhores condições de vida, entre outras.

Referências

BRASIL, Resolução n. 311/2007 e seu anexo. Reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Rio de Janeiro: Cofen, 2007.

BOCCATO, M. Bioética e o início da vida: um enfoque nas questões da origem da vida, da fertilização assistida, das células-troncos, da clonagem e do aborto. In: MALAGUTI, W. (Org.). BIOÉTICA E ENFERMAGEM: controvérsias, desafios e conquistas. Rio de Janeiro: Rubio, 2007.

DALLARI, S.G. Aborto – um problema ético da saúde pública. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v2/abortprob.html> Acesso em: 16 mar. 2011.

KOVÁCS, M. J. Bioética nas questões da vida e da morte. São Paulo: Psicologia USP, 2003, 14(2), 115-167. JOVEM interrompe uma gravidez de um feto anencéfalo. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/2008/09/03/04023668C8B10326.jhtm?jovem-interrompe-uma-gravidez-de-um-feto-anencfalo-04023668C8B10326> Acesso em: 16 mar. 2011.

MARIUTTI, M.G.; ALMEIDA, A.M.; PANOBIANCO, M.S. O cuidado de enfermagem na visão de mulheres em situação de abortamento. Rev. Latino-am Enfermagem, janeiro-fevereiro, 2007; 15(1).

SCHIMIDT, M.T; OGUISSO, T; O exercício da enfermagem obstétrica e neonatal. In. OGUISSO, T. O exercício da enfermagem: uma abordagem ético-legal. 2.ed. atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2007.

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