Políticas públicas de saúde

Políticas públicas de saúde

quarta-feira, 11 de maio de 2011

 Sigilo Profissional: reflexões e análise dos princípios éticos em conflito

As relações na área de saúde não são tão simples, e surgem muitos questionamentos para os quais nem sempre há respostas corretas e prontas. As situações mais comuns são: a troca de informações entre os profissionais de equipe, as notificações de doenças infectocontagiosas obrigatórias, entre elas HIV/aids, casos de violência contra a mulher e à criança e nos atendimentos a adolescentes.

Há perguntas que permanecem continuamente:

§ O que devemos ou podemos revelar?

§ O que, exatamente, é sigilo naquele caso?

Essas são situações enfrentadas todos os dias pelo profissional de enfermagem e nas quais ocorre o conflito entre o direito à privacidade e a confidencialidade das informações do paciente e a necessidade de se divulgar tais informações a outros profissionais, familiares ou responsáveis, parceiros sexuais, dentre outros.

Nossa tarefa não é simples! Há casos em que a complexidade das situações diárias em saúde faz com que não haja uma resposta ético-legal pronta a ser seguida, apesar de seguirmos as recomendações legais.

Nessas situações, nos defrontamos com dilemas de natureza ética e a tomada de decisão fica sob a responsabilidade do profissional. Por esta razão, o profissional de enfermagem deve saber da repercussão de sua atitude, seja qual for a sua decisão, podendo acarretar a perda da confiança no profissional e no serviço.

Para desenvolver suas atividades em benefício do cuidado do paciente, a troca de informações entre a equipe de saúde não caracteriza uma quebra de sigilo desde que seja limitada às informações que cada profissional precisa para prestar atendimento.

A introdução do agente comunitário de saúde como um elemento da equipe de saúde da família gerou muitas preocupações sobre o sigilo dos pacientes/clientes.

Esse profissional possui vivência maior do cotidiano da comunidade que os outros membros da equipe, uma vez que deve residir na área de atuação da equipe de saúde. Portanto, ao exercer a função de elo entre a equipe de saúde e a população assistida, é necessário um maior cuidado para discernir as informações que devem ser compartilhadas ou não com o restante da equipe, mantendo-se o princípio da confidencialidade daqueles com quem se relaciona na comunidade.

Quando o assunto é o sigilo das informações do paciente, outro ponto bastante discutido é a notificação de algumas doenças, principalmente, se o profissional não faz a notificação das doenças que possuem caráter obrigatório. Em vez de preservar a informação do paciente, como o profissional pode estar pensando, estará agindo de maneira antiética, impedindo a vigilância em saúde da sociedade como um todo, além de infringir a lei.

A obrigatoriedade da notificação é definida pelo artigo 8.º da lei n. 6.259 de 30/10/75, sendo que, em seu artigo 10.º, a mesma lei estabelece o caráter sigiloso das informações, conforme se observa:

Art. 8. É dever de todo cidadão comunicar à autoridade sanitária local a ocorrência de fato, comprovado ou presumível, de caso de doença transmissível, sendo obrigatória a médicos e outros profissionais de saúde no exercício da profissão, bem como aos responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde e ensino a notificação de casos suspeitos ou confirmados das doenças relacionadas em conformidade com o artigo 7.º. (...)

Art. 10. A notificação compulsória de casos de doenças tem caráter sigiloso, obrigando nesse sentido às autoridades sanitárias que a tenham recebido.

Parágrafo único. A identificação do paciente de doenças referidas neste artigo, fora do âmbito médico sanitário, somente poderá efetivar-se, em caráter excepcional, em caso de grande risco à comunidade a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio do paciente ou do seu responsável.

Além dessa Lei, a Portaria n. 5 da Secretaria de Vigilância em Saúde, de 21 de fevereiro de 2006, relata as doenças de notificação obrigatória em todo território nacional e também impõe a obrigatoriedade quanto a sua notificação.

É interessante notar que qualquer cidadão pode informar um caso de doença de notificação compulsória. Entretanto, a omissão de comunicação de doença que, por ser contagiosa, oferece risco à segurança da coletividade é tida como crime e está prevista no artigo 269 do Código Penal Brasileiro. O médico que deixar de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória, poderá ser julgado e condenado a uma pena de detenção de seis meses a dois anos, além de ser multado, de acordo com Prates e Marquardt.

As informações geradas com a notificação dessas doenças contribuem inicialmente para orientar/monitorar intervenções nos serviços de saúde e reduzir sua transmissão/aquisição, mediante a detecção de agravos coletivos em condições especiais de risco e vulnerabilidade, refletindo diretamente no planejamento estratégico e na distribuição de recursos para os programas de saúde.

As ações de vigilância epidemiológica são regulamentadas por lei e todas as informações obtidas por meio da investigação dos portadores de doenças de notificação compulsória têm caráter sigiloso. Sendo assim, as autoridades envolvidas podem responder por crime de quebra de sigilo profissional caso ocorra o vazamento de qualquer informação.

Como se observa, caro aluno, o profissional que respeita a lei e realiza a notificação nos casos previstos legalmente está cumprindo um dever legal e não está sujeito à caracterização do crime de violação de segredo profissional.

Ainda há muitas outras questões éticas e legais que envolvem a prática dos profissionais da área da saúde e têm sido objeto de muitas dúvidas.

Questões como a conduta a ser seguida frente aos indivíduos que apresentam determinadas patologias, como os portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), são os maiores e os mais graves problemas sociais e de saúde pública já enfrentados pela sociedade.
Uma das muitas questões sobre esse assunto é: Como deve ser a notificação dos casos de HIV/aids? Isso influi na privacidade dos doentes?

Para respondermos a essas e outras questões, devemos saber como funciona essa notificação.

No Brasil, a notificação dos casos confirmados da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) é obrigatória, assim como em muitos países do mundo. Somente com base nessas informações podem ser conhecidos os números de casos da aids, as formas de transmissão, as doenças oportunistas mais prevalentes e outros dados importantes para a descrição da pandemia nos diversos países. Assim, pode-se efetuar o planejamento e a alocação de recursos para prevenção e tratamento de forma adequada.

Em cada caso de aids identificado, realiza-se a notificação à autoridade sanitária responsável por essa investigação na região . A notificação compreende confirmação do diagnóstico, caracterização demográfica, identificação de forma de exposição, entre outros. A ficha de investigação epidemiológica é enviada à secretaria de saúde de cada estado e, posteriormente, ao Ministério da Saúde.

Tanto a notificação quanto a ficha de investigação possuem os dados de identificação de cada paciente: nome, endereço, data de nascimento, etc. Apesar de essas fichas e notificações serem manipuladas por funcionários estaduais e federais da área de saúde, existe um compromisso com o sigilo profissional. Consideremos, pois, que os dados para publicação ou divulgação para meios de comunicação, não possuem qualquer referência que permita a identificação do paciente.

Em outros países, como na França, não é possível identificar um paciente pela detecção do caso da ocorrência do HIV/aids. Contudo, como há essa identificação em nosso sistema, a responsabilidade pelo vazamento dessas informações é de todos aqueles que tomam ciência de tais dados, inclusive nossa.

Assim, devemos agir de forma ética, a fim de preservar o sigilo em relação à patologia do paciente e avisar as autoridades competentes. Desse modo, pessoas alheias a esses serviços não terão acesso às informações. Dessa forma, protegemos a pessoa e o seu direito de privacidade e confidencialidade.

Foi com a entrada em vigor da Lei 8.069/90, oEstatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que muita coisa mudou. A criança passou a ter direito garantido por força de lei, conforme podemos observar nos artigos abaixo:

“Art. 15 A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos pela Constituição e nas leis.(...)

Art. 17 O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18 É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”

Além disso, a criança e o adolescente passaram a ter prioridade de atendimento nos serviços de saúde, o direito à autonomia e sua absoluta proteção à vida e à saúde de forma que permita seu desenvolvimento sadio e harmonioso.

Outra peculiaridade do ECA é que não há disposição, no sentido de condicionar esse acesso da criança ou do adolescente a esses serviços e direitos, à anuência de seus pais ou responsáveis, ou seja, a criança e o adolescente possuem direitos que devem ser efetivados pelos profissionais de saúde, conforme dizem Saito e Leal.

Atualmente, temos observado que muitas doenças não estão diretamente ligadas a problemas na área de saúde, mas são o resultado das más condições de vida da população menos favorecida. Nesse meio, infelizmente, são comuns casos de abandono, de envolvimento com prostituição ou com o tráfico de drogas. São situações em que a criança e o adolescente sofrem algum tipo de violência.Clique aqui para saber mais.

Uma gama de situações que envolvem a criança caracteriza a violência doméstica, e vão desde casos de negligência até maus-tratos de ordem física, psicológica e de abuso sexual. O reconhecimento da ocorrência de maus-tratos contra crianças fez com que houvesse a necessidade de se criarem mecanismos para protegê-las. Tal proteção tem início oficialmente com a notificação da violência à autoridade competente, o Conselho Tutelar.

Então, segundo o ECA, em toda situação na qual é identificada a presença de maus-tratos contra crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar deve ser acionado, conforme observamos no artigo abaixo:

“Art. 13 Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças ou adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.”

Portanto, se o enfermeiro, ou qualquer outro profissional de saúde, identificar a ocorrência de maus-tratos e não proceder a devida comunicação ao Conselho Tutelar estará sujeito a sanções previstas na lei. Mas, não podemos esquecer que, frequentemente, há situações em que essa notificação provocará mais prejuízos à criança e ao adolescente do que benefícios, como se pode ver em Tarquete et al.

É nessa situação que o profissional precisa verificar o que deve fazer para preservar os direitos e os interesses da criança e do adolescente vítima de violência, concorda?

A adolescência constitui-se em uma etapa crucial do crescimento e desenvolvimento na qual culmina todo o processo maturativo biopsicossocial do indivíduo. É um período de contradições, ambivalências; turbulento, repleto de paixões, dorido, caracterizado por conflitos relacionais com o meio familiar e social (ABERASTURY, 1981).

O adolescente é um ser que se encontra em uma fase peculiar do desenvolvimento humano e, como tal, deve ser percebido em seu contexto, com características biopsíquicas, intelectuais e emocionais específicas, enfrentando toda a sorte de infortúnios de uma sociedade em rápido processo de transformação (LEVISKY, 1998).

As transformações dessa fase, além de influenciar a sua saúde estendem-se a outros fenômenos que começam a se diferenciar daqueles da infância, como questões relacionadas à sexualidade e suas consequências.

O adolescente está exposto a inúmeros riscos, como drogas (álcool, tabaco e outras), iniciação sexual precoce, gravidez indesejada, entre outros.

O crescimento dos índices de gravidez precoce, suicídio, acidentes e conflitos de rua que envolve adolescentes, acrescidos de questões socioeconômicas e dificuldade de relacionamento com a família, extrapolam o modelo biomédico. Leia mais sobre assunto em Marques, Vieira e Barroso, 2003.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante que toda criança ou adolescente sejam ouvidos no momento de decidir sobre fatos que envolvam sua vida íntima. Portanto, os direitos que os adolescentes possuem quanto à assistência sexual e reprodutiva são garantidos pelo ECA e podem ser exercidos independentemente da autorização da família ou responsável.

Então, um serviço de saúde, pode ser procurado por um adolescente por meio de sua própria motivação, de seu responsável ou de ambos.

Deste modo, como profissionais da saúde, devemos levar em consideração as iniciativas do adolescente, propiciando a oportunidade de falar de si. Porém, o responsável não deve ser de todo ignorado, pois, como já sabemos, os adolescentes ainda não são totalmente independentes

Então, como agir no atendimento a adolescentes? Ele deve ser atendido sozinho ou com o responsável?

Os princípios éticos no atendimento a adolescentes, nos serviços de saúde, referem-se especialmente à privacidade, à confidencialidade, ao sigilo e à autonomia. São, justamente, esses preceitos que encorajam os jovens a procurar ajuda, quando necessário, para protegê-los da discriminação que pode resultar a revelação de tais informações confidenciais.

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos revelou que a maioria dos jovens não revelaria certas informações se soubessem que a confidencialidade não fosse assegurada (TAQUETTE et al, 2005).

Sabemos como são frequentes os conflitos de interesse entre o adolescente e seus responsáveis. Desta forma, tais situações devem ser individualmente analisadas, construindo-se uma “verdade para aquele momento”.

Diferentes estudos acreditam que é necessário que o atendimento sempre ocorra em dois momentos. No primeiro, com seu responsável e, no segundo, a sós com o profissional. Já a corrente casuística, um dos métodos da bioética, pode ser aplicada por ser essencialmente indutiva e empírica, além de levar em conta a especificidade de cada caso.

O profissional da enfermagem que se pauta nesses direitos não fere nenhum preceito ético e não deve temer nenhuma penalidade legal. Lembre-se sempre disto!

É certo que o adolescente tem direito à educação sexual, ao acesso à informação sobre contracepção, à confidencialidade e ao sigilo sobre sua atividade sexual e sobre a prescrição de métodos anticoncepcionais, respeitadas as ressalvas.

Entretanto, os direitos sexuais e reprodutivos dos jovens não são abordados na Constituição Federal, nem no Estatuto da Criança e do Adolescente, o que, além de uma revisão legislativa ou interpretação satisfatória, merece uma atenção especial por parte dos profissionais de saúde.


Referências

ABERASTURY, A. O adolescente e a liberdade. In: ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicoanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981.

LEVISKY, D. L. Adolescências pelos caminhos da violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

MARQUES, M. F. C; VIEIRA, N. F. C; BARROSO, M.G.T. Adolescência no contexto da escola e da família – uma reflexão. Fam.Saúde Desenvolv. 2003 maio/ago; 5(2):141-46.

PRATES, N. D.; MARQUARDT, M. A responsabilidade penal do médico e o processo penal. J. Vasc.Br., v 2, n.3, 2003.

SACARDO, D. P; FORTES, P. A. C. Desafios para a preservação da privacidade no contexto da saúde. Secções. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio2v8/seccoes2.pdf> Acesso em: 15 mar. 2011.

SAITO, M. I.; LEAL, M. M. Adolescência e contracepção de emergência: Fórum 2005. Revista Paulista de Pediatria, 2007, v. 25, n. 2.

TAQUETTE, Stella R. et al. Conflitos éticos no atendimento à saúde de adolescentes. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2005000600019&lng=pt&nrm=iso> Acesso em: 15 mar. 2011.

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